“Olho por olho e o mundo acabará cego”

7 12 2008

por Marcela Cataldi Cipolla

Kevin Spacey com David Gale

Kevin Spacey com David Gale

A pena de morte em “A vida de David Gale” é abordada de modo singular. A obra de Alan Parker tem um grande valor artístico se considerada a qualidade e a originalidade do roteiro. O personagem principal é um ativista contra a pena de morte que passa por diversos momentos ruins (acusação de estupro, alcoolismo, separação do filho…), o protagonista, então, planeja sua própria morte de um modo surpreendente.

Uma amiga também defensora da causa estava sofrendo de leucemia e, eles armaram a morte dela como se fosse um assassinato cujo principal suspeito seria o próprio Gale. No estado do Texas (como não poderia deixar de ser), ele foi para o corredor da morte e contou sua versão de todos os fatos para uma jornalista, fazendo-a acreditar que ele era inocente. O grupo de ativistas forjou até um vídeo no qual o “verdadeiro culpado” aparecia. A jornalista divulgou o vídeo na internet.

E, depois que as imagens repercutiram de modo surpreendente, outra gravação foi enviada para a jornalista, revelando toda a armação.

Gale queria provar que o sistema de condenação que prevê a morte dos culpados pode ser falho. Que as evidências são manipuláveis assim como o filme que se baseou na versão contada por ele, ou ainda, que uma jornalista experiente pode se enganar. Então, por que o sistema de punição vigente no Texas estaria isento de equívocos?

O filme se foca em uma questão muito recorrente sobre o tema. Será que inocentes são condenados à pena de morte?

Outra grande obra  sobre o assunto também retrata uma vítima de uma falha do sistema de execução nos EUA, é do cineasta Lars Von Triers, o longa se chama “Dançando no Escuro.” O filme é um musical genial do diretor dinamarquês e conta com a atuação de Björk e Catherine Deneuve.

Acredito que a questão central da pena de morte não é se o indivíduo é culpado ou não. Para mim, a execução, mesmo que de um assassino, é um desrespeito aos direitos humanos, é a desvalorização da vida, a legalização de assassinatos e a presunção de que alguns seres humanos têm o direito ou a capacidade de julgar se determinada pessoa deve viver ou morrer.

A banalização da violência e o descrédito na possibilidade de recuperação de presidiários são graves efeitos dessa prática. O fato de alguém ter cometido um crime não quer dizer que essa pessoa seja descartável. Além disso, esse tipo de sanção é uma reação violenta para uma ação violenta e não um trabalho no sentido de buscar paz e justiça.

Quanto à possibilidade de falhas ou de condenações tendenciosas, é sabido que isso pode acontecer. E, pior, pode ser usado contra determinada etnia ou grupo de pessoas com o intuito de eliminá-las da sociedade.

No Direito, muitas decisões são relativas e tomadas também com base nas crenças pessoais de quem está julgando. Julgamentos suspeitos ocorrem todos os dias, por que não haveriam erros nas execuções?

representação de execução por injeção letal

representação de execução por injeção letal

Finalmente, a famosa citação de Mahatma Ghandi “Olho por olho e o mundo acabará cego”, lembrada no filme, permite uma ampla reflexão. O líder indiano promovia a justiça e a independência indiana de forma pacífica. Ele também defendia a convivência sem conflitos com os islâmicos. Analisando os problemas mundiais e, especialmente, os atentados em Mumbai, é possível pensar que cada vez mais “o iluminado” tinha razão.

A pena de morte aparece com bastante freqüência na mídia.

O Caso Mumia


Sobre a condenação do primo de Saddam Hussein

China determina a morte de oito africanos


Crianças também são vítimas da pena de morte

No Irã acusados de adultério são apedrejadas

Pena de morte no Texas, na Indonésia, na Arábia Saudita, na Nigéria, no Japão e no Afeganistão

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Quase 200 mortos em Mumbai

27 11 2008

por Marcela Cataldi Cipolla

Ataques contra Mumbai deixam quase 200 mortos, atrapalham as negociações de paz com o Paquistão e assustam a mídia ocidental

Indianos lamentam as perdas e os estragos causados pelas explosões na antiga Bombaim

A princípio, O Globo, Folha, G1 e muitos outros veículos nacionais e internacionais contaram com poucas fontes (CNN, BBC, Reuters…) para informar sobre a tragédia indiana. No primeiro dia dos acontecimentos, a mídia brasileira apresentou um texto restrito e muito semelhante. As descrições, as fotografias e até os entrevistados eram os mesmos. Logo no começo (ainda no site), jornais como O Globo vincularam as ações com grupos terroristas islâmicos (o que mais tarde se confirmou, ainda que em parte).

Analisando as primeiras reportagens, o que mais chamou minha atenção foi a insistência em chamar Mumbai de Bombaim, a cidade mudou de nome há mais de dez anos! Não só é uma falha geográfica como também pode ser visto como algo tendencioso.

O nome Bombaim é uma corruptela da expressão portuguesa “Boa Baía”, a cidade antes de ser de domínio inglês foi colônia lusitana. O local foi batizado de “Mumbai” porque o antigo nome era considerado um resquício da colonização européia e alguns governantes decidiram que “Mumbai” estava mais de acordo com a cultura hindu. Coincidência ou não, os jornais do país ibérico ignoraram o novo nome.

A cobertura pelo periódico lusitano Jornal de Notícias

Público

O Globo

A versão eltrônica do jornal seguiu o erro e insistiu no termo antigo, até na manchete.

O mais estranho e confuso para o leitor foi a repentina utilização do nome oficial da cidade indiana no penúltimo parágrafo, sem nenhuma explicação está lá “ (…) Morador de Mumbai, disse à NDTV(…).” Um leitor mais desinformado (ou mesmo alguém que não estuda Geografia há mais de 10 anos) com certeza ficará confuso e talvez irá pensar que Mumbai se trata de um outro local.

Outro ponto discutível da reportagem é que a equipe de jornalismo optou por tratar o atentado como um ato de islâmicos fundamentalistas contra ocidentais. A palavra “terrorista” foi acionada logo no primeiro dia dos fatos, bem como foi dado espaço aos representantes do governo americano para falarem sobre os atentados. O grupo que assumiu a responsabilidade dos ataques, intitulado Deccan Mujahideen, foi vinculado a outros grupos radicais muçulmanos.

O poder das palavras usadas na cobertura jornalistíca para referir-se aos seguidores do islamismo acaba, mesmo que sutilmente, tendendo para um lado ou formando opiniões muitas vezes estereotipadas. Claro que o que ocorreu em Mumbai é um ato terrorista e que a prática de assassinatos (não importa a quantidade de vítimas) é altamente condenável e deve ser punida em um estado de direito. No entanto, é muito comum observar que as palavras como “terrorismo”, “ataques suicidas” e “fundamentalismo” são quase sempre destinada aos muçulmanos.  Será que só entre os muçulmanos há seguidores radicais? É altamente discutível a forma como os meios de comunicação tratam os povos árabes e as conseqüências disso para a sociedade.

O Hotel Taj Mahal, ponto turistico de luxo é atacado em Mumbai. Na era do terror a midia discute os perigos dos grupos supostamente ligados ao Paquistão.

O Hotel Taj Mahal, ponto turistíco de luxo é atacado em Mumbai. Na "era do terror" a mídia discute os perigos dos grupos supostamente ligados ao Paquistão.

Ainda, o pessoal do O Globo não só faltou nas aulas de Geografia como também nas de História. Uma interpretação justa dos fatos que estão acontecendo na Índia merecia citar que a rivalidade entre os povos na Índia existe há muito tempo, desde que Bangladesh e Paquistão integravam o território. Taxar todos os muçulmanos de terroristas fundamentalistas do “eixo do mal” é uma prática bastante difundida na mídia atualmente, é preciso ter cuidado.

Por causa dos alvos (hotéis, um restaurante e uma estação ferroviária) pode ter sido um ataque contra turistas, mas, ainda sim, é necessário cautela nos primeiros momentos.

Por último, uma questão ética, o texto informa que já foram mais de 200 ataques terroristas nesse ano naquele país. Mas, então, por que somente esse atentado foi amplamente divulgado? Volto a me questionar, será o conformismo? Ou o valor de uma vida gerada à esquerda do meridiano de Greenwich é maior para os meios de comunicação?

Outros periódicos

Até então, na maioria das vezes, os jornais foram mais contidos na cobertura, com informações repetitivas e quase sempre respeitaram o nome oficial da cidade que foi palco dos atentados.

O JB Online, ainda que de forma mais timída, também atribuiu a instabilidade politíca indiana aos muçulmanos (tomando emprestado um discurso quase preconceituoso da era Bush).


Estadão

A cobertura da Folha buscou fontes neutras e conseguiu uma matéria clara, contextualizada e desenvolvida de um modo mais adequado, abrangendo outros aspectos para explicar a atual situação indiana.

Novas informações da AFP

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Yes, we can!

18 11 2008

por Marcela Cataldi Cipolla

60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Existe motivo para comemorar?
Analisando reportagens a fim de provocar uma reflexão (na própria autora do blog, inclusive) sobre o respeito (ou não) dos direitos humanos nos países africanos e asiáticos. Ou, ainda, sobre o modo como a imprensa ocidental trata as questões relacionadas.

Em entrevista, ontem, Barack Obama anunciou que dará fim à prisão americana de Guantánamo, em Cuba. O recém-eleito, também, frisou a promessa de campanha de que irá retirar as tropas americanas do Iraque.

“Disse reiteradamente que os EUA não torturam e vou me assegurar de que não torturamos.”

A Anistia Internacional divulgou uma nota se mostrando satisfeita com a posição de Obama e reivindicando uma investigação dos delitos contra os direitos humanos cometidos durante a “guerra contra o terror.”

A medida é um avanço na luta pelo estabelecimento dos direitos humanos, já que, a base militar abriga diversos presos sem acusações formais e é apontada como palco de torturas, inclusive contra adolescentes. Mas, é válido ressaltar que a investigação dos casos de abusos, torturas e desrespeitos à Convenção de Genebra em todas as penitenciárias sob o comando americano deve ser feita e os agressores punidos. Depois de várias imagens e notícias de Guantánamo e, principalmente, as fotografias de Abu Ghraib, não há dúvidas das infrações de oficiais americanos.

Protestos da AI contra o departamento carcerário instalado no caribe

Protestos da AI contra o departamento carcerário instalado no caribe

A repercussão na mídia

O Estadão não fez análises sobre o significado do fechamento da base naval. Não creio que houve falhas do jornal, acredito que a redação optou por seguir uma linha mais “neutra”, ainda sim, o jornal paulistano encerrou a matéria vinculando Guantánamo com a luta contra o terror (mesmo que timidamente). Enquanto que o Diário de Notícias (jornal português) revelou um aspecto bastante negativo da era Bush:

“A prisão em Cuba é um dos símbolos dos excessos da administração Bush na luta contra o terrorismo, famosa por manter suspeitos sem acusação e sob tortura. Desde que foi aberta. em 2002, mais de 800 homens e adolescentes passaram por aquele centro de detenção e 255 desses ainda ai permanecem. ” O jornal lusitano conseguiu aliar um tom critíco (mas, verdadeiro) com um repasse de
informações explicadas e contextualizadas.

A Folha de S. Paulo se posicionou ao optar por ceder um grande espaço da matéria para uma ONG que defende os direitos humanos e sem nenhuma outra fonte que represente a opinião contrária:

“A organização americana de defesa dos direitos humanos HRW (Human Rights Watch) pediu hoje a Obama que rejeite as ‘escandalosas práticas antiterroristas’ do governo do atual presidente George W. Bush.

‘Ao assumir as funções, o presidente Barack Obama deve repudiar categoricamente as práticas antiterroristas escandalosas dos sete últimos anos e adotar uma política eficaz e eqüitativa’, afirmou a organização em comunicado.

A HRW sugeriu ao novo presidente fechar o centro de detenção militar de Guantánamo e ‘rejeitar a guerra contra o terrorismo como base jurídica para prender pessoas suspeitas de terrorismo’.

Pede também que Obama acabe com as prisões secretas da CIA e ainda repudie ‘as normas do Departamento de Justiça e do presidente que autorizam a tortura e outros maus-tratos’.

‘Há muito tempo, os Estados Unidos reduziram sua capacidade de luta contra o terrorismo ao adotar uma política de vista curta que autoriza a tortura e a detenção ilimitada sem indiciamento’, afirmou o diretor de HRW, Kenneth Roth.”

Saiba mais:

O Estadão
Diário de Notícias
Folha de S. Paulo

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BBC não reconhece o genocídio armênio

14 11 2008

por Marcela Cataldi Cipolla

veículo se posiciona em matéria sobre a morte de Hrant Dink

A fotografia que ilustra o texto da BBC traz a imagem do funeral de Dink e evidencia as homenagens ao jornalista.

A fotografia que ilustra o texto da BBC traz a imagem do funeral de Dink e evidencia as homenagens ao jornalista.

É possível fazer uma breve análise da redação da reportagem “milhares participam de funeral de escritor morto em Istambul” tentando observar a “neutralidade” jornalística.

“Dink, editor do diário turco Agos, levou três tiros em frente à sede do jornal em Istambul. O jornalista foi uma das pessoas processadas na Turquia sob as severas leis que proíbem ‘insultos à identidade turca’. Dink chegou a ser condenado a seis meses de prisão por ter escrito sobre o ‘genocídio’ armênio de 1915, mas teve a pena suspensa. Participantes da procissão levaram placas com as palavras ‘Somos todos armênios’, ‘Somos todos Hrant Dink’, parando e aplaudindo quando a procissão passou pelo lugar onde Dink foi morto a tiros. A correspondente da BBC em Istambul Sarah Rainsford afirmou que os participantes do funeral querem expressar a solidariedade e o horror causado pelo assassinato. E muitos já estariam considerando Dink como um mártir.”

A foto de armênios durante a repressão violenta do Império Turco Otomano

A foto de armênios durante a repressão violenta do Império Turco Otomano

É interessante observar que o autor do texto da BBC dá destaque aos que estiveram na procissão e se solidarizaram com a morte de Hrant Dink. É possível inferir que os jornalistas responsáveis pelo texto de algum modo simpatizam com a idéia da não-violência ou de assassinatos por motivos étnicos, respeitando idéias consolidadas de direitos humanos.

Mas, existe bastante cuidado para não ser um texto partidário, o que fica evidente na não divulgação da nacionalidade (ou ascendência) dos que protestaram contra o assassinato de Dink. Seria uma parcela da população turca que afirmava que era Armênia? Ou eram membros da comunidade Armênia na Turquia? Será possível turcos considerarem o jornalista morto um mártir? Por causa do medo da parcialidade ou de desagradar alguns leitores (o número de imigrantes de ambos países é grande na Europa) a informação não é tão clara.

A partir do trecho, é possível também refletir sobre a escolha da palavra “procissão” no lugar de “protesto”, não que o emprego do vocábulo esteja incorreto, de forma alguma, mas “procissão” parece atribuir um caráter mais passivo para o aglomerado de pessoas que estavam no local. Se, de fato, foi uma comoção solidária ou um protesto de armênios não se sabe. A imprensa trata do assunto tão delicado do modo mais neutro possível, evitando uma polêmica entre alguns grupos étnicos. Essa neutralidade que a imprensa ocidental tenta empregar também pode gerar bastante reflexão, será a BBC a grande defensora dos Direitos Humanos?

Há diversos registros de enforcamentos públicos de lideres armênios da época

Há diversos registros de enforcamentos públicos de líderes armênios da época

Mais adiante, o texto segue em tom neutro, quase descritivo:
“Centenas de milhares de armênios morreram em 1915, em um episódio em que alguns historiadores identificaram o assassinato sistemático da minoria armênia por turcos e classificam como genocídio. A Turquia, no entanto, afirma que não houve matança sistemática e que os armênios foram vítimas da Primeira Guerra Mundial. Até hoje, a Turquia e a Armênia não mantêm relações diplomáticas.”
O que poderia ser um aspecto positivo do posicionamento da BBC e até da influência que o grupo de comunicação tem na sociedade se perde na questão do genocídio armênio, ou seria “genocídio”?

Ao lado da matéria, o link “Tire suas dúvidas. Entenda a polêmica sobre o suposto ‘genocídio’ armênio” revela o posicionamento do veículo quando não afirma o genocídio contra o povo armênio. E, ainda, se coloca numa posição de especialista que poderá esclarecer as questões do leitor sobre o tema.
Ao clicar no link, aparece uma página com diversas perguntas e respostas, segue alguns trechos:
“Por que a Armênia acusa os turcos otomanos de ‘genocídio’?

O número de mortos é bastante discutido, para alguns deve haver determinada quantidade de assassinatos para ser considerado um genocidio. O Tribunal Penal Internacional não restringiu o uso da palavra genocidio para assassinatos com uma quantidade minima de vitimas

O número de mortos no massacre é bastante discutido, para alguns deve haver determinada quantidade de assassinatos para ser considerado um genocídio. No entanto, o Tribunal Penal Internacional não restringiu o uso da palavra genocídio para crimes com uma quantidade mínima de vítimas

Durante a Primeira Guerra Mundial, o Império Otomano – que enfrentava a Tríplice Entente, formada por Grã-Bretanha, Rússia e França – convocou todos os seus homens para lutar. O recrutamento não foi bem recebido por muitas das minorias étnicas e religiosas do Império. Os armênios eram um dos grupos que se rebelaram contra a guerra e a opressão de Istambul.

A resposta teria vindo em abril de 1915, quando o governo turco otomano reuniu cerca de 250 líderes da comunidade armênia no Império. Alguns deles teriam sido deportados, outros, executados. Nos dois anos seguintes, aproximadamente 1,5 milhão de armênios teriam sido mortos pelos turcos. (…)

O que diz a Turquia a respeito do episódio?

Para a Turquia, as mortes foram o resultado de uma guerra civil, agravada pela fome e doença, durante o colapso do Império, que teria deixado vítimas de todos os lados. Além disso, o governo turco contesta os números armênios, alegando que eles são exagerados.

Quais são os interesses da França na controvérsia sobre o ‘genocídio’ armênio?
A comunidade armênia na França tem entre 300 e 400 mil pessoas e os críticos dizem que a aprovação da lei que torna crime negar o genocídio é uma manobra eleitoreira da oposição ao governo do presidente Chirac, com vistas à eleição presidencial do ano que vem. Os descendentes de armênios no país defendem a medida e consideram que a lei finalmente faria justiça à memória das vítimas do massacre.”

Protestos da comunidade armênia na França, durante o debate sobre tornar crime a negação do genocidio de 1915

Protestos da comunidade armênia na França, durante o debate sobre tornar crime a negação do genocídio de 1915

Voltando à questão da posição de defensores dos direitos humanos da imprensa. A Declaração Universal dos Direitos Humanos não define crimes de genocídio, mas, isso é feito no Tratado de Roma, que deu origem ao TPI (Tribunal Penal internacional):

“Artigo 6.º
Crime de genocídio
Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por genocídio qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, rácico ou religioso, enquanto tal:
a) Homicídio de membros do grupo;
b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo;
c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida pensadas para provocar a sua destruição física, total ou parcial;
d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo;
e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.”

“Afinal, Quem ainda se lembra dos Armênios?” Adolf Hitler, 1939.


A banda de origem armênia System of a Down, na imagem com a diretora do documentário Screamers Never Again, Carla Garapetian. Os músicos são atuantes no reconhecimento do crime contra seus antepassados, as mensagens são dadas ao público através das letras de suas canções e também no diálogo com politicos.

A banda de origem armênia System of a Down, na imagem com a diretora do documentário "Screamers Never Again", Carla Garapetian. Os músicos são atuantes no reconhecimento do crime contra seus antepassados, as mensagens são dadas ao público através das letras de suas canções e também no diálogo com politícos.

Além disso, é de extrema relevância para os armênios o reconhecimento de uma série de assassinatos contra esse povo no passado. Tomar partido nesse sentido não é apoiar uma nação ou outra, tampouco condenar o povo turco nos dias atuais, já que, ainda, conforme o Tribunal Penal Internacional, não há efeito retroativo, ou seja, os crimes cometidos antes do tribunal entrar em vigor não podem ser punidos pela instituição. Mas, reconhecer um crime contra um povo é estar de acordo com os direitos humanos, é lembrar com dignidade das vítimas. Mais do que isso, é lembrar para a sociedade o que foi aquele crime contra a humanidade e evitar que outros absurdos baseados na opressão de minorias dentro de um país ocorra.

Conforme afirmou uma cientista política no documentário “Screamers Never Again”, o fato de não terem conseguido aniquilar toda a população armênia não significa que não era essa a intenção.

A matéria da BBC

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Na Etiópia, a história se repete

6 10 2008

por Marcela Cataldi Cipolla

Crise alimentar na Etiópia coloca 12 milhões de pessoas em risco, passa despercebida pela mídia brasileira e deve agravar a já complicada situação do território africano.

(Margaret Aguirre/International Medical Corps/Reuters)

criança desnutrida recebendo cuidados médicos da International Medical Corps (IMC) em Bolossa Sore, sul da Etiópia, em junho de 2008. Créditos: (Margaret Aguirre/International Medical Corps/Reuters)

Em entrevista para a revista Época, um médico brasileiro que esteve na intervenção de emergência no país explicou as causas da crise atual.

“ÉPOCA – Os etíopes estão sendo vítimas da alta no preço dos alimentos?

David Oliveira de Souza – Eles estão sendo profundamente afetados por esse e outros fatores que se somam numa coincidência cruel. A seca comprometeu a última colheita; a renda da produção local, altamente voltada para o mercado externo, encolheu. Eles produzem basicamente gengibre, e o preço do gengibre despencou nos últimos meses. Daí eles ficaram sem alimentos e sem renda para comprar a comida cada vez mais cara. Alguns alimentos mais que dobraram de preço do ano passado para cá. Quando saí de lá, alguns produtos estavam baixando de preço. A espiga de milho chegou a custar 2 berr (fala-se bir), caiu para 1 e agora para 50 centavos do berr. Está quase ao alcance do poder aquisitivo local. ”

A Etiópia é uma nação cuja estabilidade política e a democracia estão engatinhando. Em 2006, o país se envolveu belicamente na Somália contra milícias islâmicas e um suposto apoio da Eritréia (Estado inimigo dos etíopes de longa data). Além disso, o governo da Etiópia enfrenta uma série de atentados civis e culpa a Frente de Libertação Nacional de Ogaden. A Frente é uma organização que atua para a independência da região denominda Somali (um território sob o domínio de Adis Abeba que faz fronteira com a Somália), os rebeldes lutam pela formação da “Grande Somália”, anexando a região ao país vizinho. Por outro lado, os insurgentes apontam as tropas oficiais e o poder federal como responsáveis pela marginalização e perseguição de cunho étnico.

No mapa, a região Somali que possui um dos maiores grupos de conflitos armados do pais

No mapa, a região "Somali" que possui um dos maiores grupos de conflitos armados do país

O combate á escassez de alimentos no chifre africano é fundamental para a consolidação da paz na região, tão marcada pela turbulência política, conflitos armados e miséria.

A repercussão na mídia brasileira:

No Estadão, hoje, foi ignorada a desnutrição do país. : “Explosão deixa três mortos na Etiópia; polícia culpa rebeldes”

http://www.estadao.com.br/internacional/not_int249683,0.htm

Sobre a crise de alimentos:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u446903.shtml (Na folha do dia 19)

Outra recente notícia da Folha foi sobre uma doação do casal Brad Pitt e Angelina Jolie!

http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u445097.shtml

“Because there are so few pages in the traditional press for serious subjects, the internet has really taken the place of the traditional press to get those stories out there” James Nachtwey.

A falta de alimentos no local é tratada de forma discutível pelos meios de comunicação, não há análises, comentários, entrevistas, mapas, maiores explicações e a única imagem é a da atriz Angelina Jolie com sua filha.

Uma das coberturas mais completas está sendo feita pelos Médicos Sem Fronteiras, no site da ONG há fotos e até entrevista com um médico brasileiro que trabalhou na Etiópia:

http://www.msf.org.br/noticia/msfNoticiasMostrar.asp?id=903

A entrevista do médico brasileiro, na revista Época

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A neurose da abordagem política na cobertura internacional

18 09 2008

Por Ricardo Régener

“Acidente da Spanair mata 153 na Espanha”, “Delegação norte-americana escolhe pugilista anti-China para carregar bandeira no encerramento dos jogos olímpicos”, “Vladimir Putin atira em tigre e salva equipe de jornalistas”. O que essas notícias publicadas recentemente na mídia internacional têm em comum? Uma busca contínua por inserir todo e qualquer acontecimento em um contexto político. O mundo, meus caros, é hierarquizado pela mídia através das lentes da política, e em mês de jogos olímpicos, guerra na Ossétia do sul e de grande acidente aéreo na Espanha, essa busca por paralelos políticos ganha contornos de neurose: a equipe chegou a Pequim de máscaras? Mensagem clara da Casa Branca para o Palácio do Povo. A atleta exacerbou-se na manifestação do seu patriotismo e participou de um movimento pró-Tibete a dez anos atrás? É algum governo do mundo que quer roubar a cena pra propagandear a sua ideologia. Putin apareceu sem camisa ou atirou em um tigre? É o Kremlin querendo dar um recado ao mundo sobre o poder do seu presidente. No dia seguinte a uma tragédia na Espanha, os jornais já pensam em como tal acontecimento vai influenciar, reorganizar ou redefinir as relações de poder dentro dos Palácios governamentais.

O que garante, no entanto, que a cobertura que centraliza-se nos acontecimentos dos palácios e nas relações de poder é a ideal para a cobertura do mundo? Porventura o mundo não é algo a mais do que a relação entre centros de poder? É verdade que a política desempenha papel relevante na vida das pessoas, mas o que não dizer do dia a dia das ruas, da dieta da população, dos hábitos, das manifestações artísticas que fazem sucesso, uma cobertura jornalística que emanasse desse ponto de partida não poderia ser igual ou até mesmo melhor do que aquela que prioriza a política? Talvez levasse até mesmo a conclusões menos estranhas sobre o mundo. De fato, os seres humanos não são ingênuos e já estudaram política e publicidade o suficiente para entender quais desdobramentos certas atitudes de propaganda podem ter (a Guerra Fria é talvez o exemplo mais proeminente disso), no entanto, havemos de convir que nem tudo na vida se explica em termos políticos: pessoas proeminentes abandonam cargos de importância por quererem se dedicar à família e os filhos, portas-bandeira de olimpíadas podem ser escolhidos unicamente pelo seu legado esportivo e tragédias aéreas podem acontecer simplesmente porque são fatalidades às quais todos estão expostos. Ingenuidade? Simplismo? Em boa parte das situações, possivelmente. A cobertura jornalística internacional mais sensata está, no entanto, relativamente distanciada das lentes de aumento que esmiuçam e analisam os gabinetes presidenciais em seus detalhes, e em alguma medida mais próxima de análises um pouco menos divagantes, mais próximas do que as pessoas realmente pensam e vivem. Não se trata de desprezar as deliberações dos altos escalões, mas de pensar que, talvez, o que muitas pessoas conversam no bar sobre a nova loja de R$ 1,99 do bairro diz mais respeito à política chinesa do que um único porta-bandeiras na abertura dos jogos olímpicos…

Imagine agora uma mídia que, em sua hierarquia, elegesse os esportes como centro de sua cobertura. O acidente aéreo da Spainair seria um forte fator negativo na próxima derrota da seleção espanhola de futebol em uma grande competição internacional e, o peitoral respeitável de Vladimir Putin, divulgado amplamente pela mídia Internacional, seria tido como conseqüência do crescimento das modalidades do halterofilismo nos últimos 30 anos…