BBC não reconhece o genocídio armênio

14 11 2008

por Marcela Cataldi Cipolla

veículo se posiciona em matéria sobre a morte de Hrant Dink

A fotografia que ilustra o texto da BBC traz a imagem do funeral de Dink e evidencia as homenagens ao jornalista.

A fotografia que ilustra o texto da BBC traz a imagem do funeral de Dink e evidencia as homenagens ao jornalista.

É possível fazer uma breve análise da redação da reportagem “milhares participam de funeral de escritor morto em Istambul” tentando observar a “neutralidade” jornalística.

“Dink, editor do diário turco Agos, levou três tiros em frente à sede do jornal em Istambul. O jornalista foi uma das pessoas processadas na Turquia sob as severas leis que proíbem ‘insultos à identidade turca’. Dink chegou a ser condenado a seis meses de prisão por ter escrito sobre o ‘genocídio’ armênio de 1915, mas teve a pena suspensa. Participantes da procissão levaram placas com as palavras ‘Somos todos armênios’, ‘Somos todos Hrant Dink’, parando e aplaudindo quando a procissão passou pelo lugar onde Dink foi morto a tiros. A correspondente da BBC em Istambul Sarah Rainsford afirmou que os participantes do funeral querem expressar a solidariedade e o horror causado pelo assassinato. E muitos já estariam considerando Dink como um mártir.”

A foto de armênios durante a repressão violenta do Império Turco Otomano

A foto de armênios durante a repressão violenta do Império Turco Otomano

É interessante observar que o autor do texto da BBC dá destaque aos que estiveram na procissão e se solidarizaram com a morte de Hrant Dink. É possível inferir que os jornalistas responsáveis pelo texto de algum modo simpatizam com a idéia da não-violência ou de assassinatos por motivos étnicos, respeitando idéias consolidadas de direitos humanos.

Mas, existe bastante cuidado para não ser um texto partidário, o que fica evidente na não divulgação da nacionalidade (ou ascendência) dos que protestaram contra o assassinato de Dink. Seria uma parcela da população turca que afirmava que era Armênia? Ou eram membros da comunidade Armênia na Turquia? Será possível turcos considerarem o jornalista morto um mártir? Por causa do medo da parcialidade ou de desagradar alguns leitores (o número de imigrantes de ambos países é grande na Europa) a informação não é tão clara.

A partir do trecho, é possível também refletir sobre a escolha da palavra “procissão” no lugar de “protesto”, não que o emprego do vocábulo esteja incorreto, de forma alguma, mas “procissão” parece atribuir um caráter mais passivo para o aglomerado de pessoas que estavam no local. Se, de fato, foi uma comoção solidária ou um protesto de armênios não se sabe. A imprensa trata do assunto tão delicado do modo mais neutro possível, evitando uma polêmica entre alguns grupos étnicos. Essa neutralidade que a imprensa ocidental tenta empregar também pode gerar bastante reflexão, será a BBC a grande defensora dos Direitos Humanos?

Há diversos registros de enforcamentos públicos de lideres armênios da época

Há diversos registros de enforcamentos públicos de líderes armênios da época

Mais adiante, o texto segue em tom neutro, quase descritivo:
“Centenas de milhares de armênios morreram em 1915, em um episódio em que alguns historiadores identificaram o assassinato sistemático da minoria armênia por turcos e classificam como genocídio. A Turquia, no entanto, afirma que não houve matança sistemática e que os armênios foram vítimas da Primeira Guerra Mundial. Até hoje, a Turquia e a Armênia não mantêm relações diplomáticas.”
O que poderia ser um aspecto positivo do posicionamento da BBC e até da influência que o grupo de comunicação tem na sociedade se perde na questão do genocídio armênio, ou seria “genocídio”?

Ao lado da matéria, o link “Tire suas dúvidas. Entenda a polêmica sobre o suposto ‘genocídio’ armênio” revela o posicionamento do veículo quando não afirma o genocídio contra o povo armênio. E, ainda, se coloca numa posição de especialista que poderá esclarecer as questões do leitor sobre o tema.
Ao clicar no link, aparece uma página com diversas perguntas e respostas, segue alguns trechos:
“Por que a Armênia acusa os turcos otomanos de ‘genocídio’?

O número de mortos é bastante discutido, para alguns deve haver determinada quantidade de assassinatos para ser considerado um genocidio. O Tribunal Penal Internacional não restringiu o uso da palavra genocidio para assassinatos com uma quantidade minima de vitimas

O número de mortos no massacre é bastante discutido, para alguns deve haver determinada quantidade de assassinatos para ser considerado um genocídio. No entanto, o Tribunal Penal Internacional não restringiu o uso da palavra genocídio para crimes com uma quantidade mínima de vítimas

Durante a Primeira Guerra Mundial, o Império Otomano – que enfrentava a Tríplice Entente, formada por Grã-Bretanha, Rússia e França – convocou todos os seus homens para lutar. O recrutamento não foi bem recebido por muitas das minorias étnicas e religiosas do Império. Os armênios eram um dos grupos que se rebelaram contra a guerra e a opressão de Istambul.

A resposta teria vindo em abril de 1915, quando o governo turco otomano reuniu cerca de 250 líderes da comunidade armênia no Império. Alguns deles teriam sido deportados, outros, executados. Nos dois anos seguintes, aproximadamente 1,5 milhão de armênios teriam sido mortos pelos turcos. (…)

O que diz a Turquia a respeito do episódio?

Para a Turquia, as mortes foram o resultado de uma guerra civil, agravada pela fome e doença, durante o colapso do Império, que teria deixado vítimas de todos os lados. Além disso, o governo turco contesta os números armênios, alegando que eles são exagerados.

Quais são os interesses da França na controvérsia sobre o ‘genocídio’ armênio?
A comunidade armênia na França tem entre 300 e 400 mil pessoas e os críticos dizem que a aprovação da lei que torna crime negar o genocídio é uma manobra eleitoreira da oposição ao governo do presidente Chirac, com vistas à eleição presidencial do ano que vem. Os descendentes de armênios no país defendem a medida e consideram que a lei finalmente faria justiça à memória das vítimas do massacre.”

Protestos da comunidade armênia na França, durante o debate sobre tornar crime a negação do genocidio de 1915

Protestos da comunidade armênia na França, durante o debate sobre tornar crime a negação do genocídio de 1915

Voltando à questão da posição de defensores dos direitos humanos da imprensa. A Declaração Universal dos Direitos Humanos não define crimes de genocídio, mas, isso é feito no Tratado de Roma, que deu origem ao TPI (Tribunal Penal internacional):

“Artigo 6.º
Crime de genocídio
Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por genocídio qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, rácico ou religioso, enquanto tal:
a) Homicídio de membros do grupo;
b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo;
c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida pensadas para provocar a sua destruição física, total ou parcial;
d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo;
e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.”

“Afinal, Quem ainda se lembra dos Armênios?” Adolf Hitler, 1939.


A banda de origem armênia System of a Down, na imagem com a diretora do documentário Screamers Never Again, Carla Garapetian. Os músicos são atuantes no reconhecimento do crime contra seus antepassados, as mensagens são dadas ao público através das letras de suas canções e também no diálogo com politicos.

A banda de origem armênia System of a Down, na imagem com a diretora do documentário "Screamers Never Again", Carla Garapetian. Os músicos são atuantes no reconhecimento do crime contra seus antepassados, as mensagens são dadas ao público através das letras de suas canções e também no diálogo com politícos.

Além disso, é de extrema relevância para os armênios o reconhecimento de uma série de assassinatos contra esse povo no passado. Tomar partido nesse sentido não é apoiar uma nação ou outra, tampouco condenar o povo turco nos dias atuais, já que, ainda, conforme o Tribunal Penal Internacional, não há efeito retroativo, ou seja, os crimes cometidos antes do tribunal entrar em vigor não podem ser punidos pela instituição. Mas, reconhecer um crime contra um povo é estar de acordo com os direitos humanos, é lembrar com dignidade das vítimas. Mais do que isso, é lembrar para a sociedade o que foi aquele crime contra a humanidade e evitar que outros absurdos baseados na opressão de minorias dentro de um país ocorra.

Conforme afirmou uma cientista política no documentário “Screamers Never Again”, o fato de não terem conseguido aniquilar toda a população armênia não significa que não era essa a intenção.

A matéria da BBC

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