Retrospectiva: chegamos ao fim… do curso e do mundo!

27 11 2008

Na manchete do UOL, disputando espaço com o desastre das enchentes em Santa Catarina: União Européia libera 200 bilhões para reativar economia. É isso mesmo amigos, não estamos falando do Haiti ou de alguma republiqueta falida da África. É a Europa, o Velho Mundo, aquele mesmo da Torre Eiffel, dos museus, das ruas charmosas a lá Século XIX, dos velhinhos de noventa e tantos anos e dos sonhos de desenvolvimento e estabilidade social.

O mundo, meus amigos, não é mais o mesmo do começo desse semestre, e isso torna única a análise de cada detalhe de uma cobertura esquizofrênica, mas que pode realmente fazer jus a todos os adjetivos hiperbolicamente catastróficos que alguns jornais mais apressadinhos insistem em dar a esse momento. Se no primeiro semestre vivíamos um momento de aparente prosperidade no mundo (pelo menos na cobertura midiática), hoje há aqueles que falam de “Crash de 2008”, em “economia paralisada”, “o pior momento desde a Crise de 1929” ou coisas ainda piores. Exagero? Vale lembrar que a “Quinta-Feira Negra” só virou o marco que virou nos anos seguintes, quando os desdobramentos daqueles fatídicos dias começaram a ser sentidos na vida real.

Recordar é viver, manchetes marcantes do 2º semestre de 2008:

FOLHA
02/08 – Produção industrial cresce 6,3% no semestre (Folha de S. Paulo)
05/09 – Bolsa cai ao menor nível em 1 ano
09/09 – Socorro dos EUA anima bolsas, mas Bovespa cai
11/09 – PIB cresce 6% com investimento recorde
16/09 – Maior quebra da história causa pior dia nas bolsas desde o 11/9
18/09 – Crise financeira derruba bolsas e paralisa crédito
20/09 – Bolsas disparam à espera de megapacote
24/09 – Republicanos travam pacote nos EUA
30/09 – congresso dos EUA rejeita pacote de U$$700 bi;Bolsas despencam
10/11 – G20 propõe juro menor e gasto maior contra crise
15/11 – Zona do Euro já está em recessão
16/11 – G20 lança pacote contra crise global
17/11 – 2ª economia do mundo, Japão entre em recessão
20/11 – Fuga de dólar cresce; cotação vai a R$2,39

VEJA que esquizofrênica…
24/09 – Eu Salvei você: o governo americano evita o colapso financeiro mundial e Wall Street nunca mais será a mesma
01/10 – Depois do desastre…
08/10 – O Tamanho do Estrago. Colapso financeiro? Não! Recessão? Talvez! Depressão econômica? Deus nos livre!
Depois de 08/10 – Mais nenhuma capa

LE MONDE DIPLOMATIQUE BRASIL
Novembro – Inevitável mundo novo

Boas festas! (Sem importados, de preferência).





Quase 200 mortos em Mumbai

27 11 2008

por Marcela Cataldi Cipolla

Ataques contra Mumbai deixam quase 200 mortos, atrapalham as negociações de paz com o Paquistão e assustam a mídia ocidental

Indianos lamentam as perdas e os estragos causados pelas explosões na antiga Bombaim

A princípio, O Globo, Folha, G1 e muitos outros veículos nacionais e internacionais contaram com poucas fontes (CNN, BBC, Reuters…) para informar sobre a tragédia indiana. No primeiro dia dos acontecimentos, a mídia brasileira apresentou um texto restrito e muito semelhante. As descrições, as fotografias e até os entrevistados eram os mesmos. Logo no começo (ainda no site), jornais como O Globo vincularam as ações com grupos terroristas islâmicos (o que mais tarde se confirmou, ainda que em parte).

Analisando as primeiras reportagens, o que mais chamou minha atenção foi a insistência em chamar Mumbai de Bombaim, a cidade mudou de nome há mais de dez anos! Não só é uma falha geográfica como também pode ser visto como algo tendencioso.

O nome Bombaim é uma corruptela da expressão portuguesa “Boa Baía”, a cidade antes de ser de domínio inglês foi colônia lusitana. O local foi batizado de “Mumbai” porque o antigo nome era considerado um resquício da colonização européia e alguns governantes decidiram que “Mumbai” estava mais de acordo com a cultura hindu. Coincidência ou não, os jornais do país ibérico ignoraram o novo nome.

A cobertura pelo periódico lusitano Jornal de Notícias

Público

O Globo

A versão eltrônica do jornal seguiu o erro e insistiu no termo antigo, até na manchete.

O mais estranho e confuso para o leitor foi a repentina utilização do nome oficial da cidade indiana no penúltimo parágrafo, sem nenhuma explicação está lá “ (…) Morador de Mumbai, disse à NDTV(…).” Um leitor mais desinformado (ou mesmo alguém que não estuda Geografia há mais de 10 anos) com certeza ficará confuso e talvez irá pensar que Mumbai se trata de um outro local.

Outro ponto discutível da reportagem é que a equipe de jornalismo optou por tratar o atentado como um ato de islâmicos fundamentalistas contra ocidentais. A palavra “terrorista” foi acionada logo no primeiro dia dos fatos, bem como foi dado espaço aos representantes do governo americano para falarem sobre os atentados. O grupo que assumiu a responsabilidade dos ataques, intitulado Deccan Mujahideen, foi vinculado a outros grupos radicais muçulmanos.

O poder das palavras usadas na cobertura jornalistíca para referir-se aos seguidores do islamismo acaba, mesmo que sutilmente, tendendo para um lado ou formando opiniões muitas vezes estereotipadas. Claro que o que ocorreu em Mumbai é um ato terrorista e que a prática de assassinatos (não importa a quantidade de vítimas) é altamente condenável e deve ser punida em um estado de direito. No entanto, é muito comum observar que as palavras como “terrorismo”, “ataques suicidas” e “fundamentalismo” são quase sempre destinada aos muçulmanos.  Será que só entre os muçulmanos há seguidores radicais? É altamente discutível a forma como os meios de comunicação tratam os povos árabes e as conseqüências disso para a sociedade.

O Hotel Taj Mahal, ponto turistico de luxo é atacado em Mumbai. Na era do terror a midia discute os perigos dos grupos supostamente ligados ao Paquistão.

O Hotel Taj Mahal, ponto turistíco de luxo é atacado em Mumbai. Na "era do terror" a mídia discute os perigos dos grupos supostamente ligados ao Paquistão.

Ainda, o pessoal do O Globo não só faltou nas aulas de Geografia como também nas de História. Uma interpretação justa dos fatos que estão acontecendo na Índia merecia citar que a rivalidade entre os povos na Índia existe há muito tempo, desde que Bangladesh e Paquistão integravam o território. Taxar todos os muçulmanos de terroristas fundamentalistas do “eixo do mal” é uma prática bastante difundida na mídia atualmente, é preciso ter cuidado.

Por causa dos alvos (hotéis, um restaurante e uma estação ferroviária) pode ter sido um ataque contra turistas, mas, ainda sim, é necessário cautela nos primeiros momentos.

Por último, uma questão ética, o texto informa que já foram mais de 200 ataques terroristas nesse ano naquele país. Mas, então, por que somente esse atentado foi amplamente divulgado? Volto a me questionar, será o conformismo? Ou o valor de uma vida gerada à esquerda do meridiano de Greenwich é maior para os meios de comunicação?

Outros periódicos

Até então, na maioria das vezes, os jornais foram mais contidos na cobertura, com informações repetitivas e quase sempre respeitaram o nome oficial da cidade que foi palco dos atentados.

O JB Online, ainda que de forma mais timída, também atribuiu a instabilidade politíca indiana aos muçulmanos (tomando emprestado um discurso quase preconceituoso da era Bush).


Estadão

A cobertura da Folha buscou fontes neutras e conseguiu uma matéria clara, contextualizada e desenvolvida de um modo mais adequado, abrangendo outros aspectos para explicar a atual situação indiana.

Novas informações da AFP

Creative Commons License
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.