O Jornalismo-Pílula na cobertura da recessão européia

25 11 2008

Por Ricardo Régener

Pânico! A Europa entrou em recessão! O Japão gostou tanto da última moda que decretou a sua recessão no dia seguinte. A informação é da Folha de S. Paulo… Destaque na capa do dia 14 de novembro: “Alemanha vive recessão pela 1ª vez em cinco anos”. No dia seguinte, a Folha noticiou a reação invejosa dos companheiros europeus, dessa vez na manchete: “Zona do euro já está em recessão”, até ai, tudo bem. Agora, não dá pra negar que o Japão atrasou-se, mas veio dois dias depois, com a digna manchete: “2ª economia do mundo, Japão entra em recessão” (a foto do jet-ski vermelho do Kassab logo abaixo até deu um charme à notícia).

A coisa toda começou no dia 13, numa grande reunião popular que a Führer, digo, a Primeira-Ministra Ângela Merkel convocou ali, no Portão de Brandeburgo. Era a “cerimônia de passagem para a recessão”. A mídia internacional estava apostos, em uma área VIP especialmente montada logo ali na frente. O momento solene foi marcado por uma contagem regressiva, logo após, as cinco autoridades mais importantes presentes bateram um martelo simbólico e, por último, os sinos da Catedral de Berlim tocaram por 5 minutos: Feliz Recessão Nova! O fotógrafo da Reuters, da Associated Press e da Associeted France Press registraram com precisão o momento da batida do martelo, com um destaque para a cara de preocupação de Merkel, com direito a rugas na testa (além das naturais) e tudo mais. Saiu em todos os jornais do mundo: “Alemanha entra em recessão”. O Koizumi, no Japão, apesar de ter apenas dois dias, convocou uma grande cerimônia cívica pra entrar em recessão… foi tudo no centro de Tóquio e reuniu toda a mídia internacional. Até os cidadãos japoneses se aglomeraram numa manifestação pública, coisa rara no país!

Guardadas as devidas proporções e ressalvadas as devidas ironias, foi exatamente isso que o jornalismo-pípula fez com a recessão na Europa: transformou-a em um acontecimento de um dia, como um atropelamento, uma queda de avião, uma enchente ou qualquer outra informação que possa ser facilmente e superficialmente enquadrada no padrão “quem, quando, onde, como” (nem falamos em porque…). O leitor ficou alheio à informação mais importante: de que uma recessão é um processo difuso, gradual, complexo, e que a não ser por algum motivo absolutamente trágico, não existe como um país entrar em recessão na virada de um dia para o outro.

É certo que a História, no uso de seu método geralmente distanciado do momento em que o fato acontece, estabelece marcos e datas chaves de forma a permitir um entendimento didático de certos processos. O Jornalismo, no entanto, que trabalha com a cobertura e análise de fatos que aconteceram a horas, minutos atrás, não tem a licença poética para estabelecer marcos ao seu bel-prazer, e ainda mais com as motivações nada didáticas de produzir uma pípula capaz de fazer o leitor sentir-se bem informado sem realmente estar.